Medicina Integrativa: (Des)crenças e Contradições.
- Dr. Rodrigo Tomaz
- 26 de out. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de jun. de 2023
Atuando como médico no Sistema Único de Saúde (SUS), recebo olhares de estranheza de vários colegas médicos quando digo que tenho atuado e realizado atendimentos em Medicina Integrativa.

Sou frequentemente perguntado sobre a definição do que seria a ‘medicina integrativa’, uma vez que, infelizmente, a abordagem do processo saúde-doença através desta perspectiva não é contemplada em grande parte dos currículos de ensino das escolas médicas no Brasil.
Medicina Integrativa na Educação Médica
Somos, sim, durante a nossa formação, condicionados e educados à pensar no ser humano como gavetas: o cardiologista irá nos ensinar sobre o coração, a hepatologista sobre o fígado. Talvez até haja uma tentativa dos profissionais da Medicina de Família e Comunidade em juntar todas essas “gavetinhas” dentro de um indivíduo, e considerar as relações que este ser humano tem consigo próprio, com a sua família e a sociedade em que vive. Não há críticas sobre o modelo de ensino e de tratamentos médicos aplicado em si. Ele é importantíssimo, aplicável, funcional e apresenta excelentes resultados na saúde e na vida dos indivíduos. Mas, nem de longe, essa visão não deve ser encarada como a única possibilidade existente de aplicação e atuação dos profissionais médicos.

Minha crítica se baseia em alguns questionamentos já observados ao longo de minha prática profissional, tais como: Abordar a respiração para o controle dos sofrimentos mentais? Discutir sobre yoga no controle de sintomas pós menopausa?
Isso não. Daí já é demais.
Influência do Iluministo
Desconheço por completo os motivos pelos quais o ensino médico e, consequentemente, a atuação médica, se tornou tão compartimentalizada. Talvez isso seja um reflexo do pensamento "Cartesiano" (originário de René Descartes, filósofo do século XVII) e do pensamento iluminista, que marcadamente influenciaram o modo de produção científica na sociedade moderna, culminando, nas ciências médicas, na separação entre pensamento e matéria.

(Imagem: René Descartes)
Talvez, e aqui me permito ao “achismo” por não contar com o apoio de fontes sólidas, isso também seja consequência da influência direta das indústrias farmacêuticas, num sistema onde todos “ganham”: Os profissionais não precisam mais agora em se preocupar em promover mudanças no estilo de vida, os ‘pacientes’ podem contar com ‘pílulas’ para resolver grande parte de seus problemas, e a indústria agradece a essa lógica que a enriquece. É uma lógica enraizada na prática profissional cotidiana da grande maioria dos profissionais.

Contradições Existentes
Mas tal modelo de pensamento não está imune à contradições. Tais profissionais frequentemente lidam e reconhecem situações clínicas onde fica evidente a interconexão e influências entre mente e corpo, e é quando surgem as explicações sobre a famigerada somatização: a dor torácica que era, na verdade, manifestação de ansiedade, por exemplo.

Diante deste cenário, frequentemente me pergunto: se há o reconhecimento deste profissional “cartesiano” de que aquela crise de falta de ar pode ser manifestação de um sofrimento mental, por que ainda encaram com tanto ceticismo que as técnicas respiratórias, por exemplo, podem compor o plano terapêutico?
Em se tratando de contradições possíveis, destaco também o outro lado da moeda: muitas vezes, o exercício da Medicina Integrativa e de suas práticas também são, muitas vezes, inseridos dentro de um pensamento mercadológico. Muitas das práticas milenares utilizadas, hoje são literalmente vendidas sob um rótulo de que só podem ser aplicadas por profissionais altamente capacitados em cursos especializadíssimos, que frequentemente requerem altas quantias de investimento monetário para serem realizados. E, dessa forma, o ciclo se perpetua: profissionais pagam caro para se tornarem autorizados a realizarem treinamentos igualmente caros ao público em geral.
Em minha perspectiva, por exemplo, ao reproduzir essa lógica na propagação de um conhecimento tradicional, propagado por gerações, de diversos modos e maneiras diferentes, corre-se o risco de se estar produzindo uma nova "pílula", desta vez mais elaborada, e destinada àquele seleto grupo que possa pagar. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à terapias, técnicas e procedimentos de cunho e evidências científicas duvidosas.

Entre contradições, descrenças, crenças e reflexões sobre o papel e o trabalho em Medicina Integrativa e de suas práticas dentro do contexto geral das Ciências Médicas, ressalto que não é meu objetivo desqualificar nenhum profissional de saúde - sejam os que desacreditam, sejam os que praticam. Indubitavelmente, vivemos em uma sociedade capitalista onde o investimento em conhecimento e a remuneração de um profissional capacitado fazem parte das regras do jogo e, adicionalmente, se faz necessário. É através desta cadeia monetária que "se pagam as contas", podendo serem as moedas encaradas como ferramentas importantes para a obtenção de qualidade de vida e bem estar.
Contudo, há de se ter cuidados para não se fazer destas práticas algo puramente mercadológico: Medicina Integrativa não é meramente um produto milagroso e revolucionário a ser vendido (de qualidades, muitas vezes, duvidosa). É um meio de promoção de cuidado integral em saúde, cujo objetivo primordial é promover equilíbrio e qualidade de vida.

Saúde e Paz à todxs!
Dr. Rodrigo Tomaz
Medicina Integrativa
CRM/SP 185.006
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