Sobre Práticas Integrativas e Rótulos.
- Dr. Rodrigo Tomaz
- 6 de set. de 2022
- 5 min de leitura
A escrita deste texto teve como motivo uma situação vivida em minha prática profissional.
Durante quase dois anos desempenhei minhas atividades como médico trabalhado em hospital de campanha na assistência a pacientes contaminados com coronavírus. Em uma dessas ocasiões, fui chamado pela equipe de enfermagem para avaliar uma das pessoas internadas, uma menina de 24 anos de idade, devido a piora do padrão respiratório.
À beira do leito, algo me chamou a atenção. A jovem estava apresentando uma frequência respiratória aumentada, mesmo utilizando volumes mínimos de oxigênio suplementar, e mantendo saturação de oxigênio a 100%. À anamnese, a queixa era de falta de ar importante, sem fatores desencadeantes “aparentes”, iniciada em repouso, e sem demais queixas associadas. Examinei o pulmão, padrão respiratório, demais sistemas e aparelho: nada. Voltei a conversar com a mesma:
- Por que você acha que teve uma piora tão repentina de sua falta de ar?
- Ai, Dr… Acho que estou muito nervosa. Não está fácil permanecer internada, tenho um bebê de 3 anos, só penso nele… Já sofro de depressão e ansiedade há alguns anos…
- Entendo… e você consegue identificar as razões que te levam a sofrer com essas condições?
- Eu sou casada, mas cuido praticamente do meu filho sozinha. Meu esposotrabalha muito, eu entendo, mas ele faz falta. Eu trabalho num negócio da minha família, e não gosto. Mas pra mim parece que eu terei que assumir em breve a administração do comércio, e não sei se eu quero. Enfim… muita coisa na minha cabeça.
- E você cuida dessas questões emocionais que tanto te incomodam de alguma forma?
- Não. Sequer tenho tempo. Já pensei em fazer terapia, mas parece que isso significa que sou louca, mas eu não sou. Também nunca tomei remédio nenhum, mas tenho pensado sobre.

Trocada mais algumas ideias sobre sua condição atual (taquipneia), aliado ao exame físico sem alterações e um gatilho aparentemente “mental”, expliquei brevemente (e superficialmente) sobre os benefícios que a meditação poderia proporcionar naquele momento, bem como as evidências da prática rotineira a longo prazo para o controle do estresse e perturbações mentais Tive como retorno:
- ”Mas Dr… eu não sou religiosa, perdi a minha conexão com a religião a muito tempo”.
Tal frase (bem como outras situações pessoais que já vivi) me faz refletir sobre a visão que grande parte das pessoas têm acerca da prática meditativa: há uma sensação de associação entre a meditação com as religiões orientais e, consequentemente, um certo grau de resistência por parte de pessoas que seguem alguma das religiões predominantes, já que é comum (em minhas observações pessoais) a visão de que a prática “fere” os dogmas da religião escolhida. De modo similar, frequentemente escuto a mesma associação entre meditação e religião pelos que seguem o ateísmo ou se consideram agnósticos.
No que se refere ao “Mindfulness” ou atenção plena, então… o termo tem sido tão apropriado pela onda “Coach”, que só de trazer a reflexão sobre o assunto, já se nota certa “repulsa” no aprofundamento de seus potenciais benefícios.

Diante da concordância da jovem, sugeri uma prática de atenção e controle de sua própria respiração. Propus a ela que tentássemos realizar um dos pranayamas (Kumbhaka) propostos pelo Prof. Hermógenes, em seu livro “Auto Perfeição com Hatha Yoga”.

Praticamos juntos a respiração ritmada, com certa dificuldade inicial, que logo foi superada por uma sensação de tranquilidade referida pela própria paciente.
Após alguns minutos da prática, a mesma não só comemorava com alegria a resolução de sua falta de ar, bem como dizia que poucas vezes na vida tinha se sentido tão calma. Combinamos de conversar no próximo dia.
Dia seguinte, fui informado que a paciente já tinha sido avaliada e tinha tido sua alta médica liberada por outra colega médica, mas que não se sentia bem. Perguntei à colega se tudo bem se eu conversasse um pouco com ela. Diante da concordância, me aproximei ao leito. Novamente, sensação de taquipneia, mas agora, sem o uso de oxigênio suplementar, sem alterações à saturação de oxigênio, e com frequência respiratória normal. Retomamos à conversa. Pergunto:
- “Tem se sentido mal? Pode me explicar melhor o que está acontecendo?”
- “Dr… estou com muito medo de ir pra casa e ter falta de ar de novo. Eu fique bem sem oxigênio, mas e se eu for ao banheiro e desmaiar? E se meu filho precisar de mim? Tô com muito medo, mas sei que não faz sentido. Sei que estou bem… E sei que depois da nossa conversa de ontem que isso é coisa da minha cabeça, essa falta de ar… Até pedi pra outra Dra. uma medicação, vou começar a tomar, não quero mais sentir isso.”
Após nova avaliação, repetimos a prática do dia anterior, dessa vez sob o pedido da mesma. Novamente, o resultado foi a resolução da “taquipneia”. Dessa vez, complementei:
- ”Parabéns, você foi muito bem hoje! Você acabou de praticar um dos exercícios propostos pela Yoga. Por que não tenta continuar praticando?”
- “Nossa Dr.?! Yoga?! Eu achava que Yoga era ginástica! E eu não gosto de ginástica… não tenho tempo pra isso não!”
Novamente, não era a primeira vez que eu escutava expressões semelhantes. A meditação como associação à prática religiosa oriental, e a Yoga associada somente ao exercício físico.
Tal situação me faz refletir sobre o papel dos profissionais de saúde de diversas áreas
perante à nossa sociedade. Um papel que envolve a desmitificação de como as práticas integrativas podem trazer mudanças importantes à saúde das pessoas. E esta nem de longe é uma tarefa fácil.
Vivemos atualmente numa sociedade com tamanha quantidade de “conexões externas”, que aparentemente nos desconectamos de nós mesmos. E muito disso é produto da sociedade capitalista em que vivemos, sem sombra de dúvidas. O “tempo é dinheiro” colabora para a execução das multitarefas, mesmo que com qualidade questionável. Há uma supervalorização do papel do trabalho na vida do homem moderno, de forma que o descanso fica reservado a situações extremas, como nos casos onde a sobrecarga destas mesmas multitarefas resultam em estafa mental e física, onde muitas vezes a manifestação é corporal. Se você está doente, você está autorizado a descansar. Caso o contrário, você é um preguiçoso. É o pensamento recorrente.
É interessante pensar que grande parte das razões do estresse dos sujeitos são situações auto induzidas, e que para que esse estresse não cause prejuízo à saúde em demasia, temos simplesmente que nos voltar ao básico: demonstrar, reforçar e “educar” o ser humano como ser biológico. E isso também me traz a reflexão que dentro da imensa abrangência existente na medicina integrativa, muito se resume à trabalhar com as pessoas sobre a naturalidade de certos processos:
Se o seu corpo pede descanso, descanse. Relaxar não é pecado e nem demostração de preguiça.
Se não tem fome, não coma, ao contrário… jejum pode ser benéfico! Mas quando a fome surgir, porque escolher industrializados em troca dos oferecidos pela natureza?
Tirar um momento de relaxamento e de ócio (não “produtivo” – com muitas ressalvas à essa questão de produtividade) ao contrário do propagado pela moda “coach”, não é assinar atestado de preguiçoso.
Meditar não te faz budista, praticar yoga não te faz hinduísta.

Estresse é uma resposta natural, biológica, necessária, e apresenta seus benefícios em certas situações. É também graças a ele que avançamos como seres humanos, mas nem de longe a vida se resume a uma luta constante de combate ao estresse, principalmente considerando que o predominío de sua natureza atual são os auto induzidos, e de certo modo, desnecessários.
Concluo dizendo que, ao meu ver, a boa prática da medicina integrativa não inclui apenas abordar as relações entre profissionais de saúde e paciente, e nem somente utilizar de suas ferramentas terapêuticas. Mas inclui, também, a discussão e desmitificação de “rótulos” criados pela nossa sociedade, uma vez que, se encaixar ou não em tais rotulações contribuem grandiosamente na gênese dos fatores de estresse e agravos à saúde comumente observados nos seres humanos. E nesse aspecto, vale citar um dos princípios da atenção plena para que possamos viver de modo saudável e feliz: troquemos nossos julgamentos por observações.
Dr. Rodrigo Tomaz
Medicina Integrativa
CRM/SP 185.006
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